Novidade

Nova espécie é descoberta no Pontal da Barra

Lagarto cobra-de-vidro, batizado de Ophiodes enso, virou alvo de estudo de pesquisadores da Furg desde a enchente de outubro de 2015, nas praias do Laranjal

Paulo Rossi -

O Pontal da Barra, que historicamente tem sido alvo de crimes ambientais, ganha uma razão a mais para ser preservado. Uma nova espécie de lagarto, identificada na praia do Laranjal em Pelotas, acaba de ser oficialmente reconhecida pela Ciência. É o Ophiodes enso, um lagarto cobra-de-vidro do gênero Ophiodes.

O réptil, descrito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), torna-se o primeiro vertebrado descoberto a partir de um fenômeno climático no mundo. E o mais preocupante: o animal, recém-catalogado, está criticamente em perigo. É o status de conservação proposto pelos estudiosos.

A descoberta ocorreu em outubro de 2015, quando Pelotas entrava em situação de emergência devido às inundações que se espalharam pelas praias do Laranjal - devido às chuvas acima da média, em decorrência do fenômeno El Niño. Com duas equipes de resgate e olhares atentos por cerca de cinco dias - em meio a mais de duas mil serpentes -, os pesquisadores coletaram 28 exemplares do lagarto que, em princípio, se parecia com o cobra-de-vidro Ophiodes vertebralis.

Análises criteriosas identificaram, entretanto, um padrão de colorido diferente no dorso do animal, batizado de Ophiodes enso. Detalhes em manchas bem definidas e pequenas próximo à boca também ajudaram a confirmar a existência da nova espécie. "Com aquele número de exemplares tivemos grande oportunidade de descrevê-la com propriedade", destaca o professor de Zoologia da Furg, Daniel Loebmann.

Com o enso, o cobra-de-vidro do gênero Ophiodes passou a contar com seis espécies; todas restritas à América do Sul.

Mais pesquisa pela frente
O animal está descrito, mas é apenas o primeiro passo. Ainda há muito a desbravar. Muitas perguntas a responder. Entre elas o tamanho da população que habita o Pontal da Barra. Para obter mais informações sobre a biologia da espécie, todavia, seria preciso desencadear um longo processo de observação, já que o lagarto tem por hábito viver escondido, camuflado nos juncos que ainda resistem ao processo de degradação do banhado.

A ação do homem sobre o local - seja com o aterramento para construções, seja com o descarte de resíduos - é inclusive pontuada no artigo publicado no Journal of Herpetology - Jornal de Herpetologia - em setembro deste ano. E é também uma das razões para os pesquisadores defenderem posição de o animal ser reconhecido como criticamente ameaçado; avaliação ainda não realizada pelos comitês que definem as listas das espécies que correm risco de extinção.

O fato de o lagarto ter sido encontrado em apenas três oportunidades até hoje - duas delas com exemplares isolados -, em uma área total de menos de cem quilômetros quadrados (100 km2) aparece entre os argumentos; reforça o acadêmico da Faculdade de Biologia da Furg, Omar Entiauspe Neto. É um cenário que faz disparar o alerta: área de ocupação em declínio, qualidade do habitat e inexistência de áreas efetivamente protegidas em todo o seu alcance. Uma combinação que preocupa. Hoje a zona úmida do Pontal se restringe a uma tira de aproximadamente cinco quilômetros de extensão.

Entenda melhor
Em mais de 20 anos de pesquisas desenvolvidas junto ao estuário da Lagoa dos Patos, o réptil agora batizado de Ophiodes enso só foi encontrado outras duas vezes, em Rio Grande: na Ilha dos Marinheiros e na Barra. Nos dois episódios, o lagarto possivelmente foi levado de forma acidental, carregado em aguapés - explica o doutor em Ciências Biológicas, Daniel Loebmann.

Foi apenas em outubro de 2015, com a cheia da lagoa, que a equipe da Furg encontrou - em terra - vários indivíduos, o que facilitou, e muito, o estudo.

Confira algumas curiosidades
- Ophiodes enso
O lagarto cobra-de-vidro é do gênero Ophiodes. Como a descoberta ocorreu em decorrência do fenômeno El Niño, foi batizado de enso, sigla da expressão El Niño Oscilação Sul - El Niño Southern Oscillation.

O símbolo de continuidade japonês, que remete à imagem de cobras, também incorporou o debate.

- Cobra-de-vidro... Por quê?
De modo geral, esse tipo de lagarto é facilmente confundido com uma cobra, já que não tem patas. O nome cobra-de-vidro também se deve à cauda, que se quebra quando o animal é morto a pauladas, por exemplo.

Lagarto e não cobra. Algumas diferenças:
- A presença de pálpebras, que o permitem fechar os olhos, é uma das principais
- Patas vestigiais (sem função atual) minúsculas passam, praticamente, despercebidas
- Tronco menor que a cauda. Em serpentes é o inverso
- No habitat natural, quando sente que será atacado, perde a cauda para tentar se proteger e evitar de ser predado. É o mesmo que ocorre com as lagartixas domésticas. A cauda, depois, se regenera, mas não fica exatamente igual.

Conheça um pouco mais do cobra-de-vidro
Vive escondido na vegetação. São vivíparos - animais que parem filhotes -, embora não se saiba até o momento o tamanho da cria que a fêmea pode gestar por vez; provavelmente menos que dez por gestação.

Alimentam-se predominantemente de pequenos insetos. Provavelmente são solitários, encontram-se somente durante a reprodução. Quando adultos, atingem em torno de 50 centímetros de comprimento.

Confira os autores do artigo científico que oficializa a descoberta
Omar Machado Entiauspe Neto, Fernando Marques Quintela, Ruth Anastasia Regnet, Víctor Hugo Teixeira, Frank Silveira e Daniel Loebmann.
O artigo foi publicado em setembro deste ano no Journal of Herpetology, um dos mais influentes jornais de Biologia do mundo.

Pontal da Barra, cenário de riquezas
Como Área de Preservação Permanente (APP), o Pontal da Barra deveria estar, efetivamente, protegido. Na prática, não é o que ocorre. Há anos. E não é por falta de belezas a preservar. São centenas de espécies, entre plantas e animais; muitas ameaçadas de extinção - preocupa-se o professor do Programa de Pós-graduação em Biologia Animal da Universidade Federal de Pelotas, Giovanni Nachtigall Maurício.

"Não é um local só para apreciar a beleza cênica. O Pontal da Barra e seus arredores são balizadores para preservação da biodiversidade", reforça o doutor em Zoologia. E apresenta material de divulgação do projeto de extensão do curso de Gestão Ambiental da UFPel. Aves, felinos, peixes-anuais, répteis... Há muito a preservar.

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